28 de maio de 2010
Há 200 milhões de anos, não havia homens na Terra. Nem mesmo futebol. O território brasileiro, grudado à costa oeste da África, formava um continente chamado Pangea. Se existissem homens naquela época, brasileiros e africanos compartiriam a mesma terra. Se houvesse futebol, idolatrariam a mesma camiseta. Algo assim deve finalmente ocorrer no Mundial que começa dentro de poucos dias.
Nenhuma outra seleção é tão popular na África como a canarinho. As crianças, em geral, vestem a camiseta verde-amarela rasgada, cobrindo o calção. Um vestido até os joelhos. Os adultos a usam no dia a dia, com bermudas ou jeans ? em contraste com as mulheres, que conservam os tradicionais vestidos e lenços coloridos. Os modelos não se resumem ao tradicional. São comuns as estampadas com astros de Copas passadas, como Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho ? nenhuma, porém, de Elano, um dos expoentes do grupo atual.
A variedade é tanta que, eventualmente, aparece uma camiseta original. Rick exibe orgulhoso a sua em ocasiões especiais, como o festival de Winneba. Nesta cidade do sul de Gana ? país que no tempo da Pangea estava colado ao Maranhão ?, dois grupos se enfrentam no início de maio. Ganha o que agarrar primeiro um antílope vivo na mata. Enquanto espera pelo retorno da turma vencedora, Rick bebe e dança entre a multidão. Um carnaval que casa bem com a vestimenta. "Gana é conhecida como o Brasil da África, pela técnica e por jogar bonito. Camarões e Nigéria, por exemplo, batem muito", avalia o ganês.
Casualidade ou não, os africanos que "batem muito" também chegaram à Copa da África do Sul. Isso não incomoda Rick, um africano que, a despeito da semelhança com o volante Amaral, é um fanático do futebol espetáculo. Sua camiseta, diz, é uma "bíblia com mangas".
A devoção de um africano pela seleção canarinho tem múltiplas razões e significados. Um brasileiro torce pelo Brasil, fundamentalmente, por patriotismo. Alguns diriam que por acaso, pelo local de nascimento. Mesmo que deteste o futebol-arte, este brasileiro comemora um título ganho com futebol ofensivo. Um africano não, nasce em um país incapaz de ganhar o Mundial (ao menos até agora). Precisa escolher, além de um time ? Manchester, Arsenal e Barcelona são os preferidos ? uma seleção. Esta eleição pode ser influenciada por cores ? o amarelo e o verde predominam nas bandeiras africanas ? mas tende a refletir a preferência por um estilo de jogo e de vida.
Vestir a camiseta brasileira é, para Rick, um modo de dizer, sem falar, que valoriza mais os meios que os fins. "Espera-se que o Brasil jogue bonito. Se ganhar, melhor", afirma.
A mística ganhadora não é a primeira razão citada para torcer pelo Brasil, embora cinco estrelas no peito não incomodem quem quer ser um "vencedor". Isso é especialmente relevante em um continente duro para se cultivar autoestima. A fama de campeão é menos decisiva do que a escola de futebol para explicar a popularidade brasileira. Tanto que os africanos que preferem outras seleções ? França ou Inglaterra, geralmente ? o fazem com um argumento lisonjeiro: é muito cômodo apoiar o Brasil. Não tem graça.
Passaporte com mangas. Para um viajante que cruza o continente, do Marrocos à África do Sul, aproveitar-se da simpatia pela camiseta brasileira não é uma escolha. A rota terrestre mais rápida, de 14 mil quilômetros, cruza 16 fronteiras. Em 80% delas, há tentativa de extorsão. Nestes casos, a verde-amarela se transforma em "passaporte com mangas", conforme a boa vontade do oficial de imigração. "Brasil! Pelé, Ronaldo, Ronaldinho...", exclama o policial. "Brasil, pouco dinheiro. Pelé, Ronaldo, Ronaldinho, obrigado e tchau...", responde o viajante, sorrindo para parecer mais brasileiro.
Nem sempre funciona. Alguns policiais duvidam que um turista não tenha dinheiro para uma "gorjeta". Como em alguns países se vive em média 40 anos e não há férias, é difícil compreender uma viagem como um fim em si, sem luxo. "Um dia quero ser turista, em vez de policial", insistem. Outros relutam em crer que o Brasil não fica na Europa, ou que a moeda não é o euro. Uma ignorância que une os dois lados do Atlântico. Boa parte dos brasileiros vê a África como um grande deserto ou uma imensa selva. Não imagina que há metrópoles e zonas ricas. Nem suspeita que, há alguns milhões de anos, ela já esteve unida ao Brasil por bem mais que uma "bandeira com mangas".
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